Portal do Butantan

A barata diz que tem: a ciência por trás da cantiga popular

Será que esse inseto milenar realmente tem saias, casca dura e pernas peludas? Algumas respostas vão te surpreender


Publicado em: 13/06/2025

Reportagem: Camila Neumam
Ilustrações: Lorena Weinketz

Na cantiga “A barata diz que tem”, o inseto é desmentido toda vez que conta uma lorota. Mas e se a gente disser que, pelo ponto de vista da ciência, a música até que fala umas verdades? De origem desconhecida, a cantiga é de domínio público, o que quer dizer que qualquer pessoa pode cantá-la e reproduzi-la. A ausência de direitos autorais dificulta saber quem teria sido o autor ou autora da letra, mas essa característica vem ao encontro do significado da palavra folclore – uma junção das palavras folk (“povo”, em inglês) e lore (“conhecimento”, na mesma língua) – ou seja, algo feito para e pelas pessoas de uma comunidade. 

Para além da brincadeira que a canção traz, você acredita que as baratas têm sim uma casca dura e até estruturas que lembram saias? 

O Portal do Butantan consultou a bióloga e pesquisadora científica do Laboratório de Bioquímica do Instituto Butantan Adriana Rios Lopes, que respondeu essas e outras perguntas sobre as baratas. 

Spoiler: as baratas têm uma função muito importante na natureza e são bastante resistentes, pontos fundamentais para entender mais sobre elas.
 

 

1.    O que são as baratas?

As baratas pertencem à ordem Blattodea, termo que vem da palavra blatta (“barata” em latim), e à superordem de insetos Dictyoptera, termo vindo do grego antigo diktuon (rede) e pteron (asa). Os primeiros registros de baratas datam de mais de 300 milhões de anos e, atualmente, há mais de 5.000 espécies no mundo. 

Por possuírem um esqueleto formado por quitina, conhecido como exoesqueleto, seis pernas e um par de antenas, são caracterizadas como artrópodes. Todas as baratas são voadoras, ainda que suas asas só se formem na fase adulta.

Apesar disso, elas tendem a voar somente em caso de fuga ou quando precisam fazer deslocamentos maiores. Por isso, é mais comum encontrá-las no chão ou escalando alguma parede. 

 


 

2.    Como funciona a alimentação das baratas?

As baratas são insetos onívoros, ou seja, comem de tudo, especialmente matéria orgânica em decomposição – por isso, desempenham um papel fundamental no processamento de matéria orgânica na natureza. Elas adoram restos de plantas e pequenos animais porque deles extraem gorduras, amido, açúcar, bactérias e fungos – além de alimentá-las, esses materiais mantêm suas reservas energéticas em dia e permitem que elas fiquem muitos dias sem se alimentar.

Baratas que vivem nas cidades preferem locais úmidos e com resíduos de lixo e, por isso, costumam perambular pelos esgotos e lixeiras. 

As baratas também servem de alimento para diversos animais como aves, quelônios e escorpiões; e, por serem tão resistentes às bactérias e fungos, costumam ser objeto de pesquisa de cientistas, que estudam seu sistema de defesa.

 


 

3.    É verdade que se o mundo acabasse só sobrariam as baratas?

As baratas vivem na Terra há muito mais tempo que a humanidade, o que indica que possuem uma incrível resistência a diferentes eras geológicas. Mas como elas conseguiram sobreviver por tanto tempo? Por uma série de fatores. 

O primeiro deles é porque se proliferam rapidamente, graças a um ciclo de reprodução curto: de dois a nove meses entre a eclosão dos ovos, a formação das ninfas (a barata adolescente) e a fase adulta. A depender da espécie de barata, elas podem por ovos de cinco a 20 vezes ao longo da vida, colocando até 50 ovos por vez. Enquanto algumas morrem, outras tantas estão nascendo por aí. 

Outro ponto importante é que as baratas conseguem passar dias sem comer e beber, porque acumulam uma espécie de gordura que serve de reserva metabólica – aquela gosma branca fedida que surge quando ela é esmagada. Essa característica permite a elas sobreviver em locais secos e sem alimentos. Uma curiosidade um tanto assustadora sobre o metabolismo das baratas: elas podem continuar caminhando por dias, mesmo sem a cabeça. 

O fato de preferirem viver em locais escuros e úmidos, para permanecerem hidratadas e longe de predadores, também as ajudam a se manter vivas. Como são insetos grandes e escuros, que não voam com facilidade, as baratas ficam expostas em locais com luminosidade, se tornando presas fáceis para serem engolidas ou pisadas. 

Por fim, as baratas tendem a ser resistentes a produtos químicos, inseticidas, bactérias e fungos capazes de adoecer os humanos. Ou seja: patógenos que podem dizimar a humanidade podem nem fazer “cócegas” nas baratinhas.

 

 

 


4.    Mas, voltando para a cantiga, a barata tem saias?

As asas da barata seriam o mais próximo de uma saia, principalmente quando levantam voo. Mas, diferente da música, as baratas têm quatro asas, divididas em dois pares – um de asas maiores e mais duras e outro de asas menores, que ficam embaixo das maiores, todas formadas de quitina. 

 

 

 


5.    As baratas têm a casca dura?

Todos os artrópodes têm um exoesqueleto, uma estrutura rígida que protege seus órgãos, feito de quitina. A estrutura dá sustentação ao corpo das baratas, e pode ser considerada uma “casca dura”. É ela que garante o isolamento da reserva energética e da água retida pela barata, evitando seu contato com o ambiente. O exoesqueleto confere ainda uma resistência mecânica, que funciona como uma armadura protegendo a integridade das baratas.

 

 

 


6.    As baratas dormem em locais fofos?

As baratas fogem de ambientes claros para não serem vistas por predadores, e é nestes mesmos lugares que preferem dormir. Sim, as baratas dormem! Por serem animais noturnos, elas dormem antes do anoitecer nos locais onde se mantêm escondidas durante o dia: dentro de caixas, guarda-roupas, galpões, covas de cemitério. Um exemplo clássico desse comportamento é o da barata-americana (Periplaneta americana), comum em áreas urbanas de países tropicais, como o Brasil. Há, porém, baratas que vivem em locais de mata, como a barata-de-madagascar (Gromphadorhina portentosa), entre outras.

 

 


7.    As pernas das baratas são peludas?

As pernas das baratas contêm estruturas pontiagudas e fininhas que até parecem, mas não são, pelos. São pequenas deformações, semelhantes a espinhos bem estreitinhos, que elas usam para se defender dos predadores. As estruturas também ajudam as baratas a se fixar melhor no solo. Inclusive, suas pernas são dotadas de músculos porque elas precisam de pernas fortes para fazer o esforço de locomoção e levantar voo.

 

A barata diz que tem

A barata diz que tem sete saias de filó
É mentira da barata, ela tem é uma só
– Ah rá rá, oh ró ró, ela tem é uma só (2x)


A barata diz que tem um anel de formatura
É mentira da barata, ela tem é casca dura
– Ah rá rá, oh ró ró, ela tem é casca dura (2x)


A barata diz que tem uma cama de marfim
É mentira da barata, ela tem é de capim
– Ah rá rá, oh ró ró, ela tem é de capim (2x)


A barata diz que tem um sapato de fivela
É mentira da barata, o sapato é da mãe dela
– Ah rá rá, oh ró ró, o sapato é da mãe dela (2x)


A barata diz que tem um chinelo de veludo
É mentira da barata, ela tem o pé peludo
– Ah rá rá, oh ró ró, ela tem o pé peludo (2x)