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Butantan desenvolve sistema de código aberto para monitoramento de vírus da dengue, Covid-19 e Influenza

Pipeline de Identificação Viral para Resposta a Emergências (VIPER) está no GitHub e passa por reformulações para poder ser capaz de analisar genoma de outros vírus


Publicado em: 07/07/2025

Reportagem: Camila Neumam
Fotos: José Felipe Batista

Pesquisadores do Laboratório de Ciclo Celular do Instituto Butantan (LCC) desenvolveram um software para vigilância genômica dos vírus SARS-CoV-2, Influenza e dengue em uma plataforma de código aberto dentro do Windows.

O Viral Identification Pipeline for Emergency Response (VIPER) – Pipeline de Identificação Viral para Resposta a Emergências, na tradução para o português – foi construído no Windows Subsystem for Linux (WSL), uma espécie de “emulador” que permite a inclusão dos pipelines (fluxos de trabalho automatizados) dentro do sistema e a criação de uma interface gráfica. O objetivo é permitir a pesquisadores, que não necessariamente têm familiaridade com servidores como Linux (sistema operacional de código aberto e gratuito), incluir amostras epidemiológicas sequenciadas.

“A maioria dos pesquisadores usa o Windows, não Linux. Deixar os pipelines lá e criar uma interface gráfica mais amigável simplificou todo esse processo mais complexo, ao mesmo tempo que possibilitou ao usuário conseguir extrair dados”, afirma o bioinformata do Laboratório de Ciclo Celular (LCC), Alex Ranieri, idealizador do VIPER. 

O pesquisador Alex Ranieri mostra como funciona o VIPER

 

O nome do sistema foi meticulosamente pensado pela equipe do LCC durante um voo da Itália para São Paulo, após o congresso EPIDEMICS9: 9th International Conference on Infectious Disease Dynamics, ocorrido em Bolonha, em 2023. 
“Sabíamos que tinha que ser algo relacionado ao Butantan, de preferência o nome de uma serpente, então veio o nome Viper, que é víbora em inglês, e o transformamos em uma sigla”, conta Alex Ranieri. 

Para instalar o VIPER é preciso apenas ter um Windows 10 (versão 2004) ou Windows 11 baixados no computador. Produzido totalmente no Butantan, o sistema está disponível no repositório de código aberto GitHub.

Usabilidade

O VIPER começou a rodar de maneira experimental em 2023 com a montagem de genomas e depois da filogenia do SARS-CoV-2. Assim, ele passou a permitir a inclusão de amostras do Butantan e de outros usuários e a comparação com amostras de outros grupos, que também analisam o mesmo vírus. Essa investigação é fundamental para a vigilância genômica de um vírus. 

Alex apresentou o sistema para funcionários de alguns Laboratórios Centrais de Saúde (LACENs), responsáveis pelas análises laboratoriais de interesse em vigilância epidemiológica do país, com sede em todos os estados e no Distrito Federal. À medida que o VIPER foi ganhando robustez, passou a ser utilizado pelos LACENs de Minas Gerais, do Paraná, da Bahia e do Distrito Federal – tanto por meio de parcerias com o Butantan, quanto em análises próprias dos genomas virais.

“Alguns LACENs mandam as amostras para nós, outros querem autonomia. Assim temos uma troca, vemos se está tudo certo. Isso é importante porque eles vão aprendendo a usar e nos dando feedback”, explica o bioinformata. 

 

O VIPER faz parte da estrutura do Centro para Vigilância Viral e Avaliação Sorológica

 

No VIPER, inclusive, está implementado um novo sistema de linhagens do vírus da dengue, cujo desenvolvimento teve grande participação da equipe do LCC.  O vírus dengue tem quatro sorotipos, e cada sorotipo tem em torno de cinco genótipos, mas antes da criação deste sistema não se classificava sistematicamente abaixo dos genótipos. 

“Conseguimos fazer essa classificação de linhagens que permite identificar se uma linhagem nova entrou no Brasil, de que ponto está vindo e para onde está indo. Quando há uma linhagem nova, a literatura diz que pode ter potencial de causar grandes surtos. Por isso, é crucial entendermos de onde vem e para onde vai para poder controlar e monitorar”, afirma Alex Ranieri.

O VIPER continua sendo aprimorado e a ideia da equipe de bioinformatas é torná-lo capaz de analisar o genoma de qualquer vírus, não só do SARS-CoV-2, influenza e dengue. 

Além disso, Alex Ranieri acredita que o VIPER pode ser usado também em outras esferas. “Eu vejo um potencial muito grande de utilizá-lo não somente na pesquisa, mas no ramo educacional, no sentido de introduzir os conceitos de bioinformática para um público mais amplo, como estudantes do Ensino Médio”, reflete.

Democratização do acesso

Em 2021, o Instituto Butantan criou a Rede de Alerta das Variantes com o objetivo de conhecer as cepas de SARS-CoV-2 circulantes no estado de São Paulo na época. Em 2022, a rede se tornou o Centro para Vigilância Viral e Avaliação Sorológica (CeVIVAS), que atualmente mantém a vigilância genômica do vírus da Covid-19, e também dos vírus influenza e dengue.  

No auge da pandemia, a equipe do Laboratório de Ciclo Celular do Butantan, responsável pelo CeVIVAS, recebia 1.500 amostras de SARS-CoV-2 para serem sequenciadas semanalmente. Diante da sobrecarga, os pesquisadores viram a necessidade de criar uma interface para automatizar o máximo possível o sequenciamento – e que depois daria origem ao VIPER. A equipe também começou a oferecer cursos de Bioinformática para pesquisadores que tinham o conhecimento científico, mas não de informática, para reforçar o time de monitoramento e oferecer autonomia aos LACENs.

“No primeiro momento, reunimos todos os códigos que tínhamos para serem acessados com um clique para permitir as análises, mas ainda não conseguíamos disponibilizar o acesso ao público. Apostamos também nos cursos de sequenciamento e na competência das equipes aqui do Butantan, que conseguiram dominar e criar protocolos para lidar com o big data biológico”, lembra Alex Ranieri.

 

A equipe de bioinformatas do Laboratório de Ciclo Celular do Instituto Butantan 

 

A facilidade de acessar o VIPER e o fato de ele ter código aberto, ou seja, poder ser acessado por qualquer pessoa, torna mais acessível a vigilância genômica, na visão do bioinformata. 

“O objetivo é não patentear, não fechar um programa que está ajudando pessoas a fazerem seu trabalho, como os LACENS, e o próprio Butantan. Vemos com bons olhos essa proposta de deixar o código aberto, porque quanto mais pessoas descobrirem o sistema, mais elas podem nos dar feedbacks para torná-lo melhor e fazerem seu trabalho melhor”, constata.

A equipe de Bioinformática do LCC pretende ainda lançar uma plataforma de inteligência artificial ligada ao VIPER para permitir a criação de boletins epidemiológicos.

“A proposta é criar um ecossistema bem dinâmico, no qual as pessoas entendam como funciona, se familiarizem com os conceitos e tenham curiosidade sobre o que está sendo feito”, conclui Alex Ranieri.