Reportagem: Guilherme Castro
Fotos: Shutterstock e Renato Rodrigues/Comunicação Butantan
No mundo, há cerca de 7 mil espécies de lagartos – eles representam o maior grupo de répteis do planeta. O Brasil é lar de 295 dessas espécies. Pela aparência, alguns destes animais costumam ser confundidos com camaleões, répteis da família Chamaeleonidae naturais dos continentes africano e asiático, que não existem em nosso país. A confusão é tamanha que há muitos lagartos que até mesmo têm o nome popular de “camaleão”. Para facilitar a distinção, selecionamos alguns exemplos de lagartos que são “sósias” dos camaleões de além-mar, mostrando as características físicas mais marcantes que podem ajudar a entender o porquê desse fenômeno.
Iguana-verde (Iguana iguana)
Também conhecida como senembi, é a única dentre as 44 espécies de iguana do mundo que existe no Brasil. Habita muitos biomas, como Cerrado, Pantanal, Caatinga, Mata Atlântica e Amazônia, e é abundantemente comum na região nordeste, onde é popularmente chamada de camaleão.
Apesar de possuírem uma coloração verde intensa quando jovens, característica que as assemelha aos camaleões verdadeiros, as iguanas-verdes tendem a ter corpos em tons de cinza quando adultas. Apresentam também traços morfológicos que não existem nos camaleões, como uma longa crista espinhosa que segue do dorso à cauda; pele sobressalente na região da garganta (chamada de prega gular); e uma grande escama na região dos tímpanos.
Os camaleões verdadeiros são conhecidos por ter dedos com sindactilia ou zigodactilia, ou seja, três dedos fundidos virados para a frente e dois virados para trás, formando uma espécie de “almofada”. Essa adaptação os ajuda a andar entre os galhos das árvores. As iguanas-verdes não possuem tal característica: seus dedos são compridos e contam com longas garras nas pontas.
Iguana-verde (Iguana-iguana) também é conhecida como senembi
Lagarto-verde (Anolis punctatus)
Comum na Amazônia e na Mata Atlântica, este animal consegue mudar de cor, alterando a tonalidade do corpo entre verde e marrom, uma habilidade parecida com a do camaleão africano.
Mas há diferenças. Alguns lagartos do gênero Anolis alteram sua aparência sutilmente por conta do estresse, que influencia a produção de hormônios e a disposição dos pigmentos nas células. Já nos camaleões a mudança parte do sistema nervoso como uma resposta a predadores e outros estímulos. Ela serve para regular a temperatura do corpo e como mecanismo de comunicação entre membros da mesma espécie. Além disso, os camaleões têm uma variação de cores maior para ajudar na camuflagem.
O lagarto-verde (Anolis punctatus) é comum na Amazônia e na Mata Atlântica
Camaleãozinho ou papa-vento (Enyalius perditus)
Natural da Mata Atlântica, este lagarto possui cores distintas entre machos e fêmeas: enquanto o macho possui coloração verde vibrante, a fêmea é marrom com desenhos que parecem losangos. O macho consegue escurecer, ficando marrom escuro em situações de estresse.
Apesar de ter poucas similaridades com o camaleão original, esse lagarto também possui um método de camuflagem eficiente: como seu corpo apresenta tonalidades parecidas às das densas florestas do bioma em que vive, basta que fique estático por horas a fio para que os predadores passem a confundi-lo com a vegetação.
O camaleãozinho ou papa-vento (Enyalius perditus) é natural da Mata Atlântica
Camaleão-pequeno, lagarto-preguiça ou camaleão falso (Polychrus marmoratus)
Este lagarto, que habita principalmente o Cerrado e Caatinga, se destaca por compartilhar um traço que é marcante nos camaleões verdadeiros: olhos que se movem independentemente. Projetados para fora do crânio, os olhos desses animais se movimentam em todas as direções sem depender um do outro – uma forma priorizada pela seleção evolutiva para encontrar melhores alimentos e identificar predadores. Ele também consegue se camuflar sutilmente ao mudar de cor, um comportamento hormonal similar ao que acontece com os Anolis.
Outra característica compartilhada entre essa espécie e os camaleões são os movimentos catalépticos (movimentos lentos). O lagarto-preguiça também possui uma cauda diferenciada, que se movimenta como se fosse um membro. Apesar de não ser preênsil como a do camaleão, a cauda ajuda o camaleão-pequeno a se movimentar entre os galhos, conferindo equilíbrio. Há inúmeras outras características dos camaleões que não são encontradas nos lagartos brasileiros. Um exemplo é a língua balística, que pode ser projetada em até duas vezes o comprimento do corpo para capturar presas, em geral pequenos insetos como moscas e grilos.
Por outro lado, entre as milhares de espécies de lagartos existem muitos outros que são conhecidos como camaleões. Não há erro na denominação: os nomes populares são convenções das regiões que os animais habitam – como o povo chama esses animais é a forma como eles devem ser chamados. Basta saber que o bicho com o qual se parecem mora bem distante, em outro continente. Em resumo: é e não é um camaleão.
Camaleão-pequeno (Polychrus marmoratus) habita principalmente o Cerrado e Caatinga
*Esta matéria contou com a colaboração da bióloga do Laboratório de Ecologia e Evolução do Instituto Butantan, Serena Migliore