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Borboletinha tá na cozinha? Conheça a ciência por trás da cantiga popular

Borboletas não fazem chocolate, mas adoram um doce bastante conhecido pelos indígenas; leia mais sobre estas e outras curiosidades


Publicado em: 10/07/2025

Reportagem: Camila Neumam
Ilustrações: Lorena Weinketz

Na cantiga “Borboletinha”, ninguém entende exatamente o que tem no chocolate da madrinha. “Poti poti, perna de pau, olho de vidro e nariz de pica-pau” parece uma receita meio sem sentido. Mas, conversando com especialistas, o Portal do Butantan descobriu que essa brincadeira de criança tem bastante fundamento científico.

De acordo com os estudos do folclorista Câmara Cascudo (1898-1986), o maior estudioso do tema no país, as cantigas infantis brasileiras têm origem portuguesa, mas receberam influências indígenas e africanas em suas letras.

Na “Borboletinha”, por exemplo, é citada a palavra poti, de origem tupi-guarani. A depender da pronúncia e da escrita, a palavra poti pode ter diferentes significados, tornando a canção ainda mais enigmática.

“A palavra ‘poti’, falada ‘potxi’, significa camarão, fezes ou raiva em tupi-guarani. Mas, no contexto da música, parece fazer mais sentido ser a palavra ‘poty’, que significa flor e se pronuncia ‘pótê’. O chocolate que a borboletinha está fazendo é o néctar da flor”, afirma o mestre em linguagens tupi-guarani e membro do Fórum de Articulação dos Professores Indígenas de São Paulo Luã Apyká.

 

De acordo com Luã, que é membro da comunidade indígena Tabaçu Rekoypy, de Peruíbe (SP), várias palavras em tupi-guarani sofreram mudanças na grafia e pronúncia a partir da colonização portuguesa.

“Houve um aportuguesamento de várias palavras do tupi-guarani desde os tempos em que os jesuítas tentaram falar e escrever essa gramática”, esclareceu.

Uma versão mais antiga da canção, chamada “Borboletinha amarelinha”, parece confirmar a hipótese de Luã. Nela, a palavra ‘madrinha’ é trocada por ‘vovozinha’ e o ‘poti poti’ por ‘pote, pote’, com pronúncia mais aproximada ao tupi-guarani.

A versão mais tradicional da parlenda (palavra que descreve uma música em versos com rimas coreografadas, estrutura típica das canções populares infantis), está descrita no livro “Cancioneiro da Paraíba”, escrito pelas linguistas Idelette Fonseca dos Santos e Maria de Fátima Barbosa de Mesquita Batista.

Fruto de um projeto de pesquisa da Faculdade de Letras da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a antologia de cantigas populares brasileiras que remontam do século 18 começou a ser produzida nos anos 80 e foi publicada em livro em 1993.

Apesar do registro, é possível interpretar a palavra ‘poti’ também como uma referência ao camarão devido à biologia do animal.

A perna de pau seriam os apêndices do artrópode, que lembram pernas finas; os olhos de vidro seriam os olhos compostos redondos e pretos do camarão e a estrutura afilada composta por carapaça, rostro e dois pares de antenas seria o nariz de pica-pau, diz a bióloga e técnica do Laboratório de Coleções Zoológicas do Instituto Butantan Natália Batista Khatourian.

Para além dessas curiosidades, que tal saber mais sobre o fabuloso mundo das borboletas?  

 

 

1- O que a borboleta come? Spoiler: não é chocolate!

As borboletas não comem chocolate, mas adoram um doce, principalmente aquele obtido do néctar das flores e do sumo de frutas – grandes fontes de açúcar na forma líquida.

Elas absorvem esse alimento usando sua espirotromba, uma espécie de língua de sogra bem fininha, que se estica quando suga o alimento e depois recua se enrolando para dentro da boca. Haja suquinho!

Outra fonte de alimento são as poças de lama, cheias de sais minerais importantes para a formação dos ovos que serão postos no futuro pelas borboletas fêmeas.

Estes minerais são repassados do macho para a fêmea durante a reprodução. Quando vir uma borboleta voando baixo pelo chão, lembre-se que ela pode estar atrás de uma refeição salgada.

 

 

 

 

2- O que caracteriza uma borboleta?

Borboletas são insetos e têm o corpo dividido em três partes: cabeça, tórax e abdômen. Na cabeça, as borboletas têm um par de antenas; olhos compostos e espirotromba; no tórax, três pares de pernas e dois pares de asas; e no abdômen estão os órgãos reprodutores e espiráculos. Anote essa dica: insetos têm pernas, não patas!

As borboletas apresentam dimorfismo sexual, que é a diferença física entre machos e fêmeas de uma mesma espécie. Essa diferença pode ser na cor, no tamanho, no formato das asas, entre outras.

Algumas características também são resultado de elementos como as condições de temperatura, umidade e disponibilidade de alimentos do hábitat – em regiões mais secas ou com pouca vegetação, há menos comida para as borboletas e, por isso, algumas espécies tendem a migrar para outras áreas. Quando uma borboleta é encontrada somente em uma região, ela é considerada endêmica.  

 

 

 

3- As borboletas têm família?

Na vida humana, as madrinhas e vovozinhas são parentes. Na biologia animal, o termo família tem outro sentido.

Há uma classificação básica das espécies feita em ordem crescente: Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Gênero e Espécie.

Há borboletas de várias famílias, entre elas da família Nymphalidae, da Ordem Lepidoptera, que inclui mais de 7.000 espécies de distribuição mundial. Até hoje, já foram descritas mais de 200 mil espécies de borboletas e mariposas em todos o mundo.

 


 

 


4- Como as borboletas vivem?

As borboletas ficam acordadas durante o dia, quando buscam alimento e se reproduzem. O encontro dos casais acontece pelo cheiro que cada espécie libera por meio de uma substância química chamada feromônio.

O clima quente e úmido é essencial para a manutenção da vida das borboletas: é nas épocas de temperaturas mais altas que os ovos postos pelas fêmeas eclodem e o ciclo de vida das novas borboletinhas começa.

 

 

5- Como é o ciclo de vida das borboletas?

Os ovos são postos pelas fêmeas e eclodem nas épocas de temperaturas mais quentes.

De dentro deles, saem larvas ou lagartas, que com o passar do tempo viram pupas (ou crisálidas), que constroem para si um casulo de onde finalmente emergirão transformadas em lindas borboletas adultas, prontas para voar por aí.

As três primeiras etapas deste ciclo duram entre 30 e 120 dias, dependendo da espécie e das condições ambientais.

A fase adulta é o estágio final da vida das borboletas, que é quando elas emergem da pupa prontas para se reproduzir. Essa fase pode durar de 5 a 15 dias, a depender da espécie.

 

 


 
 

6- Como as borboletas se protegem de predadores?

Os pássaros, como o sabiá laranjeira, estão entre os predadores naturais das borboletas. Mas não pense que elas se entregam facilmente. Suas belas cores são usadas como instrumento de defesa, algo que a ciência chama de cores de advertência.

Isso porque, na natureza, geralmente, animais coloridos chamam mais atenção de predadores. Para evitar serem predados, alguns eliminam substâncias tóxicas, que podem ser um odor forte ou um gosto amargo ao serem mordidos.

As borboletas da tribo Ithomiini (Família Nymphalidae), por exemplo, se alimentam de uma planta conhecida como leiteira, que elimina um líquido tóxico semelhante ao látex. Esta substância fica armazenada no inseto, que a destila toda vez que um predador tenta abocanhá-la.  

Outro exemplo é a super colorida borboleta-monarca, que também é tóxica e faz os predadores se arrependerem de tentarem engoli-la.

 

 

7- Qual a importância das borboletas na natureza?

Ao se alimentarem do néctar das flores, as borboletas carregam grãos de pólen, o que faz delas animais polinizadores.

A polinização impacta na reprodução das plantas, pois resulta na formação de novos frutos e sementes, o que é essencial para a manutenção do meio ambiente, além de fazerem parte da cadeia alimentar, sendo fonte de alimento para outros animais.

Portanto, quando vir uma borboletinha por aí, deixe ela seguir seu curso. Além de embelezar o lugar, ela é muito importante para a preservação da nossa flora.

Veja duas versões da parlenda:

 

Borboletinha tá na cozinha
Fazendo chocolate para a madrinha
Poti-poti
Perna de pau
Olho de vidro e nariz de pica-pau, pau pau.
 
 

Outra versão
Borboletinha
Amarelinha
Fazendo chocolate
Para a vovozinha
Pote, pote
Perna de pau
Olho de vidro
Nariz de pica-pau.

 

 

*Essa matéria foi validada pela bióloga e técnica do Laboratório de Coleções Zoológicas Natália Batista Khatourian.
 

** O Portal do Butantan agradece à equipe do acervo de periódicos da Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba, especialmente à bibliotecária Ana Karla Pereira Rodrigues, por nos ceder cópias das páginas do livro "Cancioneiro da Paraíba" para consulta.

 
Fontes:
Borboletário de São Paulo
Cancioneiro da Paraíba - Folha de rosto; sumário; páginas 23; 27 a 40 e 227. Trechos cedidos pela Biblioteca da Universidade Federal da Paraíba
Cantigas de ninar do nordeste brasileiro (Paraíba e Pernambuco): uma abordagem semiótico-discursiva
Dicionário Tupi antigo- português
Letras- Borboletinha
Poty - Dicionário Tupi-guarani
Instituto Câmara Cascudo
O espetáculo semiótico do Cancioneiro da Paraíba: canto, gesto e verbalização
Pequeno vocabulário Tupi-Português
Povos Indígenas no Brasil – Povo Potiguara