Por Camila Neumam
Fotos: Comunicação Butantan
Casos de meningite de origem bacteriana voltaram a chamar a atenção em todo o país, após surtos em Pelotas (RS) e mortes de crianças no estado de São Paulo. Até 17/10, o Brasil registrou 9.311 casos confirmados de meningite, sendo 4.045 do tipo bacteriana e 3.150 do tipo viral, e 1.121 mortes. Destas, 799 foram causadas por meningite bacteriana e 83, pela doença viral, segundo o Ministério da Saúde.
Apesar de ser considerada uma doença grave, de alta letalidade (10%) e com potencial para sequelas, a meningite tem transmissibilidade relativamente baixa – cada pessoa infectada transmite, em média, para apenas uma outra. A doença bacteriana é causada pela bactéria Neisseria meningitidis (meningococo), que contém 12 sorogrupos. Para cinco deles – A, B, C, W, Y – existem vacinas. Por isso, é preciso manter a cobertura vacinal elevada para impedir que a bactéria volte a circular de forma preocupante.
Uma peça-chave para evitar surtos é a imunização de adolescentes com a vacina meningocócica ACWY (que protege contra os sorogrupos de meningococo dos tipos A, C, W e Y) e a vacina contra o meningococo B.

“A meningite é uma doença grave, mas não tão transmissível quanto o sarampo, na qual uma pessoa infectada pode transmitir para mais 17 – geralmente se transmite para uma pessoa, em média. O problema está na colonização silenciosa da bactéria, principalmente em adolescentes”, alerta o infectologista e gestor médico do Butantan, Érique Miranda.
O infectologista explica que, entre 10% e 20% dos jovens de 11 a 19 anos podem carregar a bactéria na garganta sem apresentar sintomas. “Eles não ficam doentes, mas servem como reservatório. Quando entram em contato com crianças pequenas ou pessoas não vacinadas, podem transmitir a bactéria sem saber”, alerta.
A vacina meningocócica contra os sorogrupos ACWY demonstra também um efeito indireto: ao diminuir a colonização entre adolescentes, ajuda a reduzir a circulação da bactéria e amplia a proteção para toda a comunidade, um fenômeno conhecido como imunidade coletiva.
“Só assim conseguimos reduzir a colonização e proteger indiretamente os mais vulneráveis, como bebês ou quem perdeu a imunidade com o tempo. Reforçar a vacinação na adolescência também é essencial para conter os surtos”, ressalta o infectologista.
O avanço da cobertura da vacina ACWY pode inclusive mudar o perfil epidemiológico da doença, aumentando a ocorrência de outros sorotipos, como o meningococo B, que causa surtos mais esporádicos. “Isso acontece porque quando se expande a cobertura vacinal contra um ou mais sorotipos, aumenta a ocorrência de outros”, explica Érique Miranda.
Entre os casos globais de meningite bacteriana, mais de 90% são causadas pelos patógenos Streptococcus pneumoniae (pneumococo), Haemophilus influenzae tipo b (Hib) e Neisseria meningitidis. Atualmente, o pneumococo é a principal causa de meningite bacteriana na região das Américas, segundo a Organização Panamericana da Saúde (OPAS).
O PNI oferece duas vacinas contra o meningococo. A vacina meningocócica C em doses aos três e cinco meses de idade, e a ACWY como reforço aos 12 meses. Além disso, desde 2020 a vacina meningocócica ACWY é oferecida no PNI em dose única para adolescentes de 11 e 14 anos.
As vacinas BCG, pentavalente (difteria, tétano, pertussis, hepatite B recombinante e Haemophilus influenzae B conjugada) e as vacinas pneumocócicas (10, 13 e 23-valente) também ajudam a proteger contra formas de meningite e são oferecidas no SUS. Há ainda a vacina contra o meningococo B, disponível na rede privada.
Até outubro de 2025, a cobertura da vacina meningocócica C atingiu uma média de 85% entre crianças de até 1 ano. A cobertura da vacina ACWY, por outro lado, teve uma cobertura bem inferior, de 55,64%, em 2023, segundo os dados mais recentes do Ministério da Saúde. Ambas não alcançaram as metas de 95% e 80% de cobertura, respectivamente, para atingir a imunidade coletiva e evitar surtos.
“As vacinas ACWY e C têm eficácia média de 90%. Quanto maior a cobertura vacinal, maior a proteção coletiva, e maior a chance de conseguirmos conter surtos de forma indireta, protegendo também quem não foi vacinado ou já perdeu a imunidade”, explica Erique Miranda.
Para melhorar este cenário, o Ministério da Saúde lançou o documento Diretrizes para Enfrentamento das Meningites até 2030, atrelado ao programa de mesmo nome da Organização Mundial da Saúde (OMS). O programa aborda a imunização com as vacinas meningocócicas C e ACWY como parte essencial das estratégias de prevenção e controle das meningites bacterianas imunopreveníveis no Brasil. O documento ressalta que a meta é vacinar 80% dos adolescentes de até 15 anos cadastrados na Atenção Primária à Saúde (APS).

De acordo com Erique Miranda, os surtos de meningite são esperados em determinados períodos do ano, especialmente no final do inverno e início da primavera, entre setembro e outubro. Nessa época, há maior circulação da bactéria meningococo, em especial o sorogrupo C, ainda predominante no Brasil.
A infecção ocorre por gotículas respiratórias e exige contato próximo e prolongado. Em hospitais, por exemplo, pacientes com meningite meningocócica precisam ficar em isolamento por 48 horas após o início do antibiótico.
A meningite pode surgir em qualquer faixa etária, mas surtos costumam ocorrer em ambientes fechados, como escolas e creches, onde o contato é mais próximo.
“O controle dos surtos depende não apenas de proteger os mais vulneráveis, mas também de reduzir a colonização nos adolescentes, que atuam como portadores silenciosos da bactéria”, afirma o médico.
A OMS registra anualmente 1,6 milhão de casos de meningites bacterianas e 240 mil óbitos em crianças menores de 5 anos no mundo, com a morte de uma a cada seis pessoas afetadas, e sequelas em um em cada cinco sobreviventes.
A meningite é uma inflamação das membranas que revestem o cérebro e a medula espinhal, e é causada, na maioria dos casos, por infecções bacterianas ou virais. As meningites bacterianas são mais graves que as virais e podem evoluir rapidamente.
“As três camadas que protegem o sistema nervoso central, conhecidas como meninges, podem inflamar por infecção. A meningite bacteriana é a mais perigosa principalmente em crianças, mas as vacinas disponíveis protegem contra as que mais circulam”, detalha Érique Miranda.
Os principais sintomas da meningite bacteriana são febre, dor de cabeça e rigidez de nuca; mas podem incluir vômito, mal-estar, náusea, aumento da sensibilidade à luz (fotofobia), confusão mental, tremores e convulsões, levando ao coma.
Em bebês, pode ocorrer irritação, vômitos, letargia e moleira protuberante (fontanela), segundo o Ministério da Saúde.
Entre as manifestações da doença, a considerada mais grave e mais letal é a meningococcemia, quando a bactéria Neisseria meningitidis atinge a corrente sanguínea. Diferentemente da meningite, a meningococcemia pode não causar sintomas de meningite, como dor de cabeça e rigidez de nuca, mas sim febre alta, diarreia e manchas na pele com uma evolução rápida.
“É uma forma muito grave e rápida. Às vezes, a criança não apresenta os sintomas típicos e o diagnóstico é difícil. Por isso, a prevenção é essencial, e ela passa pela vacinação”, conclui o médico.
Nos adultos e idosos, o pneumococo tende a ser o agente mais comum, enquanto nas crianças predominam o meningococo e o Haemophilus influenzae.
“As meningites bacterianas exigem tratamento imediato com antibióticos de largo espectro e, muitas vezes, corticoides para controlar a inflamação”, afirma o infectologista.
As meningites virais, mais leves, costumam ocorrer após exposição a águas contaminadas por enterovírus, comuns em praias poluídas, e tendem a se resolver espontaneamente na maioria dos casos. “A pessoa apresenta dor de cabeça e vômitos intensos poucos dias depois de nadar. Geralmente melhora sozinha, mas é importante fazer o diagnóstico”, conclui Érique.



