Reportagem: Camila Neumam
Fotos: Comunicação Butantan e acervo pessoal
Por trás das medalhas em olimpíadas nacionais e internacionais de Biologia, existe uma rotina de estudo rigorosa, mas surpreendentemente focada no equilíbrio e na saúde mental.
Isso explica a melhor campanha da história de estudantes brasileiros na 18ª Olimpíada Ibero-americana de Biologia (OIAB), este ano ocorrida na Colômbia, e na 36ª Olimpíada Internacional de Biologia (IBO, na sigla em inglês), realizada nas Filipinas. Os representantes brasileiros haviam alcançado alto desempenho na 21ª Olimpíada Brasileira de Biologia (OBB), competição científica nacional voltada a alunos do Ensino Médio de todo o Brasil e que é organizada pelo Instituto Butantan, com apoio da Escola Superior do Instituto Butantan (ESIB), e que já avaliou 1 milhão de estudantes.
“Contribuir para a formação do conhecimento em biologia e do saber científico de milhares de jovens brasileiros e ainda ver a concretização dessas ações em forma de medalhas olímpicas internacionais nos orgulha muito e nos motiva cada vez mais a seguir a nossa missão em prol da educação e da vida”, diz a pesquisadora e coordenadora nacional da OBB, Sonia Aparecida de Andrade Chudzinski.
O Portal do Butantan conversou com cinco desses medalhistas olímpicos: Paulo Vinicius Rodrigues de Azevedo, 16 anos, medalhista de ouro na OBB e Top Gold (primeiro colocado geral) na OIAB; Julia Mota Miranda, 17 anos, medalhista de ouro na OBB e OIAB; Henrique Pongelupp Oliveira, 17 anos, medalista de ouro na OBB e prata na IBO; Gustavo Jun Anraku Oda, 17 anos, medalhista de ouro na OBB e bronze na IBO; e Marcos Paulo Gonçalves Santos, 18 anos, medalhista de ouro na OBB, ouro na OIAB e bronze na IBO.

Eles compartilham suas estratégias, revelando que o sucesso nas olimpíadas científicas é uma mistura de autoconhecimento, disciplina inegociável e uma busca ativa por conhecimento que transcende os muros da escola.
Um spoiler: precisa estudar bastante, mas principalmente saber a hora de parar.
“Eu percebi que vários alunos caíam pelo fator psicológico, então eu deixei meus fins de semana livres, com exceção da época próxima das provas. Em momentos distantes das competições, acho contraprodutivo estudar todos os dias”, afirma Henrique Oliveira, aluno do 2º ano do Ensino Médio em Valinhos (SP), que já competiu e foi medalhista em várias olimpíadas científicas.
Há outros fatores responsáveis pelo sucesso dos estudantes: o gosto pela biologia, a sensação prazerosa de se sentir desafiado, e o treinamento prático realizado no Butantan.
“Eu achava que estudar biologia era decoreba. Só quando eu comecei a assistir às aulas para as olimpíadas, a fazer conexões com outras matérias, eu percebi que é uma área que me faz raciocinar e realmente gostar de biologia”, diz Paulo Vinícius Rodrigues, do Colégio Master, de Fortaleza (CE), que este ano também participou da Olimpíada Internacional de Física (IPhO), na França, e da Olimpíada Internacional Mendeleev de Química (IMChO), em Belo Horizonte (MG).
O fascínio de Marcos Santos pela biologia floresceu quando conheceu a professora Valéria Mafra, que fazia questão de sanar suas dúvidas mais complexas, mesmo fora do escopo do 8º ano do Ensino Fundamental. “Ela poderia ter desconversado, mas levou minhas perguntas a sério, e isso significou muito para mim. Falar de ciência é diferente de falar de política e de religião, porque não é sobre você, é sobre discutir uma ideia, um trabalho feito para a humanidade. Não há nada mais lindo no mundo do que a biologia”, afirma o estudante, que hoje cursa o 3º ano do Ensino Médio no Colégio Prisma, de Montes Claros (MG), e, em 2024, foi medalhista de ouro na OIAB, sediada em Cuba.
A capacitação prática e teórica no Butantan foi outro trunfo para medalhar na IBO, segundo Gustavo Oda, do Colégio Objetivo, em São Paulo (SP). A OBB tem três fases de avaliações dentro das escolas, que ocorrem entre março e maio de cada ano. Ao final do processo, os 20 estudantes com as melhores notas são selecionados para uma capacitação para as olimpíadas internacionais dentro do próprio Instituto, onde fazem aulas teóricas, práticas de laboratório e são avaliados.
Os que alcançam o melhor desempenho na capacitação são escolhidos para representar o Brasil nas competições estrangeiras: os quatro melhores são classificados para a IBO, e os da quinta à oitava melhor nota, para a OIAB.
“Uma das provas finais que tivemos que fazer no laboratório do Butantan acabou se assemelhando com uma das provas experimentais que tivemos que fazer na Internacional. As habilidades de laboratório e o entendimento básico do fenômeno coincidiram”, recorda o aluno da capital paulista.
Julia Miranda, do Colégio GGE, de Recife (PE), é sempre uma das poucas garotas nas competições científicas. Por isso, além de se dedicar aos estudos, ela dá aulas de biologia no Projeto Sem Parar – Meninas ensinando meninas, que oferece também aulas online de física, química, informática, astronomia e matemática como preparação de garotas para olimpíadas científicas.
“Ainda existe uma separação clara do conhecimento. Muitas meninas não vão para as olimpíadas porque não tem outras nessa área. O projeto tem o objetivo de oferecer um ambiente onde elas se sintam confortáveis para começar, para um acolhimento inicial”, diz.
Em 2022, Marcos Santos cofundou e implementou junto à sua professora de biologia e a outros estudantes de sua escola o Projeto Sapiens, com aulas preparatórias para diversas olimpíadas científicas, que hoje acumula mais de 750 medalhas. A ideia surgiu também por falta de representatividade de pessoas da sua região nas competições: ele foi o primeiro estudante do Norte Mineiro a passar para a terceira fase da OBB e a ganhar o ouro, em 2024 e novamente em 2025, depois de estudar por vários anos.
“A maioria dos medalhistas é de São Paulo e do Nordeste, onde há uma competitividade muito grande. Mas nos esquecemos de que, no fundo, somos todos adolescentes que buscam o melhor para ter uma boa educação. Se queremos oportunidade, ela tem que vir para todos. Não existe meia oportunidade”, ressalta.
Abaixo, confira dicas dos estudantes para aprimorar os estudos e alcançar resultados tão brilhantes quanto as medalhas na OBB, OIAB e IBO.
Há um consenso entre os medalhistas de que se deve primeiro ler os conceitos básicos, para depois avançar para obras mais complexas.
Para quem quer ficar entre os primeiros, Julia Miranda ressalta a importância de consultar livros de biologia, como os de Peter Raven (botânica), Neil Campbell (biologia geral), Cleveland P. Hickman (zoologia) e Albert Lehninger (bioquímica) e revela ter lido “Biologia de Campbell”, de 1.488 páginas, três vezes.
A rotina de Henrique Oliveira sempre foi baseada em assistir às aulas do calendário curricular e extracurricular de sua escola, as últimas voltadas exclusivamente para as olimpíadas de biologia e organizadas por tópicos (como fisiologia vegetal, por exemplo). “Essas aulas atraem alunos realmente curiosos que querem se aprofundar”, afirma o estudante.
Marcos Santos resolveu todas as provas dos 20 anos da OBB, algumas delas várias vezes. Ele defende que provas anteriores são ferramentas de estudo e sugere identificar o tema de cada questão (bioquímica ou citologia, por exemplo) para afunilar o pensamento e treinar a velocidade de resolução da questão.
Henrique Oliveira também refez provas anteriores da OBB e da IBO mais de uma vez e muitos simulados, alguns de forma descontraída e outros com tempo determinado, como se fosse a prova real.
Gustavo Oda costuma estudar fazendo anotações como se estivesse explicando o assunto para ele mesmo.
Marcos Santos utiliza a folha de verso das provas anteriores que estuda para resumir os conceitos de questões que ele errou ou ainda não domina. Assim, consegue finalmente fixar a matéria.
Revise por partes: toda vez que começa a estudar um assunto novo, Gustavo Oda adota um ciclo: lê uma porção do capítulo, processa a informação, faz exercícios, os revisa e só depois continua de onde parou.
Revise todo dia: Júlia Miranda enfatiza que a revisão deve ocorrer no mesmo dia de estudo de um novo conteúdo, tanto o aprendido em sala de aula, quanto no estudo individual. Isso pode render mais quatro horas de estudo além do período escolar e extracurricular.
Corrija todas as questões realizadas: Marcos Santos diz ser fundamental corrigir toda prova e simulado realizados, antes de seguir para o próximo, caso contrário, pode-se cometer os mesmos erros. Ele também sugere fazer uma prova por dia e corrigi-la na sequência para evoluir mais rapidamente no aprendizado do conteúdo, especialmente quando o dia da prova se aproxima.
“Não confunda tipos de erro. Se foi falta de atenção, treine com questões mais fáceis; se foi uma lacuna de conteúdo [esquecimento de detalhes], revise aquele ponto específico, e volte para a questão. Se errou por desconhecimento total do assunto, então volte ao livro-base”, ensina.
Defina prazos de estudo: Paulo Vinícius Rodrigues recomenda definir prazos específicos de estudos para as olimpíadas e para o vestibular, sem tentar lidar com várias matérias ao mesmo tempo. “Passo duas semanas estudando para as olimpíadas de Biologia, faço uma seletiva, e volto a estudar para o vestibular, mas continuo fazendo revisões das olimpíadas para não perder a prática”, diz.
Foque na competição se quiser vaga olímpica: Julia Miranda foca nos estudos para o vestibular somente depois de finalizar as etapas das olimpíadas, de olho nas vagas olímpicas (vagas selecionadas para medalhistas sem a necessidade de prestar vestibular) de universidades públicas. “Passa a ser mais vantajoso focar nas olimpíadas primeiro e depois na rotina regular de estudos para o vestibular”, afirma.
Faça uma prova por dia: Marcos Paulo indica fazer um simulado por dia, tanto para treinar para olimpíadas, quanto para o vestibular. “Quando você estuda para o vestibular, geralmente falam para fazer um simulado por semana, então a evolução que as pessoas geralmente têm por semana, eu tenho por dia”, diz.
As olimpíadas de Biologia costumam incluir provas práticas, e a preparação para elas no Brasil é um diferencial. Os medalhistas da OBB contam com a preparação oferecida pelo Instituto Butantan, mas sem esse recurso, é preciso descolar outros equipamentos e locais para treinar.
Como lembrou Henrique Oliveira, a alta carga de estudos exige pausas para que o processo não seja sabotado.
Descanse no fim de semana e em datas comemorativas: Gustavo Oda acredita que ninguém consegue estudar oito horas por dia todos os dias, e que a falta de descanso pode "prejudicar" o estudo e fazer a pessoa "quebrar” sob pressão. Ele se permite descansar aos fins de semana, em aniversários, feriados e durante viagens.
Julia Miranda não estuda aos sábados, dia de descanso na religião adventista, professada por sua família. Marcos Paulo gosta de dedicar parte do fim de semana para tocar violino e ir à igreja com a família.
Paulo Vinicius descansa aos domingos, mesmo em períodos mais intensos de estudos, senão “o cérebro pifa”.
Invista em sono de qualidade: Júlia Miranda descobriu que estudar à noite não lhe rendia bons resultados. Ela prefere dormir cedo (por volta das 20h) e acordar de madrugada (entre 3h e 3h30) para estudar, aproveitando o silêncio e acordando descansada.
Dormir é o "melhor descanso" para Gustavo Oda, que desaconselha estudar com insônia ou "à base de café".
Mantenha a calma durante as provas: Marcos Santos e Gustavo Oda ressaltam a necessidade de manter a calma e a estabilidade emocional durante a prova. Isso é fundamental para lidar com imprevistos no laboratório e evitar que a ansiedade leve a erros que poderiam ser evitados ou que o erro em uma fase estrague a próxima.
Cultive o lazer e outros interesses: Marcos Santos é apaixonado por música (toca violino) e pela literatura, especialmente do poeta Fernando Pessoa (1888-1935). Isso o ajuda a manter uma vida rica em significado para além das medalhas.
Gustavo Oda é fã do poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616) e de livros do escritor brasileiro Machado de Assis (1839-1908). Henrique gosta de sair com os amigos aos fins de semana.
Construa redes de estudo e de apoio: Julia Miranda criou um grupo de estudos para conversar sobre temas, tirar dúvidas e, mais importante, obter apoio emocional.
A tecnologia pode ser uma ferramenta poderosa, mas envolve risco de distrações, que os medalhistas evitam com disciplina e consciência.
Use como fonte de pesquisas: Paulo Vinícius Rodrigues e Gustavo Oda concordam que a internet é uma fonte de informação infinita para investigações e construção de conhecimento. “É muito importante que eu esteja sempre conectado para pesquisar e assistir a videoaulas”, diz Paulo Vinícius Rodrigues.
Evite redes sociais durante os estudos: é consenso que as redes sociais são uma grande distração. Júlia Miranda optou por desinstalar o Instagram durante os meses de estudo para evitar cair na tentação. Henrique Oliveira admite que quando estuda em casa, às vezes “perde tempo mexendo no celular”, mas que reverte o lapso com “autocontrole suficiente para deixar o aparelho de lado”.
A medalha é a consequência de uma mentalidade focada e positiva, com base em muita persistência.
Não tenha medo de começar, mesmo que pareça falhar: Júlia encoraja outros jovens a simplesmente começar, mesmo com medo de falhar, e sem se comparar com outros estudantes. Ela estudou por três anos até conseguir sua primeira medalha em competição internacional.
Peça ajuda: Henrique reforça a importância de conversar com pessoas mais experientes, que conheçam o conteúdo e já participaram de olimpíadas, porque elas podem ter dicas valiosas. Julia Miranda contou com o apoio do tio, que é professor na UPE, e lhe abriu as portas dos laboratórios.
Sonhe grande e não desista: Marcos Santos não tinha apoio olímpico em sua região quando começou, mas tinha um "sonho grande e muita, muita, muita disposição". Seu foco era estar na IBO desde o 8º ano do Ensino Fundamental. Estudou por quatro anos até conseguir.



