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Butantan e Projeto Meros do Brasil firmam acordo para avançar pesquisas sobre conservação de peixe gigante ameaçado de extinção

Parceria técnico-científica foi assinada no Aquário de São Paulo e vai investigar aspectos biológicos, bioquímicos e ambientais dos meros


Publicado em: 10/12/2025

Reportagem: Camila Neumam
Fotos: Marília Ruberti

O Instituto Butantan e o Projeto Meros do Brasil oficializaram, em 24 de novembro, um acordo técnico-científico voltado ao estudo e conservação do mero (Epinephelus itajara), uma das espécies de peixes mais ameaçadas da costa brasileira. A assinatura ocorreu no Aquário da cidade de São Paulo, onde está o único plantel (harém) de meros em ambiente artificial do mundo, que reproduz as mesmas condições do oceano.

O mero, maior espécie de garoupa do Atlântico, pode atingir 2,5 metros de comprimento e pesar 400 quilogramas. Apesar do tamanho, seu comportamento dócil facilitou a captura em massa durante décadas no país e culminou em um declínio superior a 80% da espécie nas últimas seis décadas. 

Os dados foram reunidos pelo Projeto Meros do Brasil, criado por pesquisadores em 2002, ano em que a pesca do peixe passou a ser proibida no Brasil. Realizada em parceria com várias instituições de ensino e pesquisa, a iniciativa conduz trabalhos de captação das espécies em nove estados, entre eles São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Pará.

O mero, maior espécie de garoupa do Atlântico, pode atingir 2,5 metros de comprimento e pesar 400 quilogramas

O mero, maior espécie de garoupa do Atlântico, pode atingir 2,5 metros de comprimento e pesar 400 quilogramas

 

Segundo dados do projeto, fatores como a pesca subaquática em agregações reprodutivas; a destruição de manguezais, essenciais ao ciclo de vida do peixe; a poluição industrial e urbana; e a captura de espécies juvenis em estuários são as principais ameaças à espécie. Ela se encontra criticamente em perigo de extinção, segundo Lista Oficial de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção – peixes e invertebrados aquáticos do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

Pesquisadores do Laboratório de Ecologia e Evolução (LEEv) do Butantan utilizarão sua experiência na caracterização de venenos, toxinas e moléculas bioativas de animais peçonhentos para coletar e analisar dados inéditos sobre a biologia, da história natural desses animais e contribuir para sua conservação. Além de estudar a reprodução, comportamento e fisiologia do peixe, as equipes pretendem aplicar análises avançadas de proteômica e bioquímica utilizando o novo Centro Bioanalítico do Butantan, localizado no laboratório.

Ciência transcende fronteiras

De acordo com a diretora do Centro de Desenvolvimento Científico do Butantan (CDC), Sandra Coccuzzo, a parceria com o Projeto Meros do Brasil demonstra como o rigor científico e tecnológico do Instituto, aplicado à conservação, pode gerar benefícios diretos à sociedade, e reforça a sua missão institucional de promover pesquisa de ponta e conservação baseada em evidências. 

“O Butantan inaugura um momento científico inovador, evidenciando como a ciência transcende fronteiras e estabelece conexões interinstitucionais. As parcerias são necessárias, e hoje celebramos a confiança depositada em nosso trabalho para ampliar os horizontes da conservação”, afirmou Sandra durante a cerimônia. Para a diretora do CDC, que é composto por 15 laboratórios, entre os quais o LEEv, o acordo leva o Instituto a integrar uma rede nacional de pesquisa com grande potencial de impacto científico.

 

A pesquisadora Sandra Coccuzzo e o presidente do Instituto Meros do Brasil, Matheus Freitas, assinam acordo técnico-científico voltado ao estudo e conservação do mero (Epinephelus itajara)

A diretora do Centro de Desenvolvimento Científico do Butantan (CDC), Sandra Coccuzzo, e o presidente do Instituto Meros do Brasil, Matheus Freitas, assinam acordo técnico-científico voltado ao estudo e conservação do mero (Epinephelus itajara)

 

Isso porque o estudo dos meros envolve aspectos biológicos singulares, como a mudança de sexo – a espécie é hermafrodita protogínica, ou seja, todos os indivíduos nascem fêmeas e alguns tornam-se machos ao amadurecer –, característica que ainda carece de explicações fisiológicas e bioquímicas integradas.

Segundo o presidente do Instituto Meros do Brasil, Matheus Freitas, a parceria com o Butantan permitirá investigar quais sinais químicos e bioquímicos determinam essa mudança, além de outros fenômenos comportamentais. 

“O muco que reveste o animal pode revelar marcadores bioquímicos capazes de indicar se o ambiente é saudável ou não, e até sugerir níveis de estresse aos quais os peixes estão submetidos”, explicou. “A coleta é feita de forma não invasiva, o que abre portas para estudos sobre outras espécies marinhas, inclusive de interesse comercial”, ressaltou.

Matheus Freitas reforça que o plantel do Aquário de São Paulo é fundamental para pesquisas por permitir manejo controlado, coleta de muco e sangue, e acompanhamento contínuo da reprodução dos animais.

De acordo com a veterinária-chefe do Aquário, Laura Reisfeld, o tanque principal do complexo tem cerca de 1 milhão de litros e abriga seis meros saudáveis, incluindo um indivíduo que pesa aproximadamente 55 quilos.

Apesar do tamanho, o comportamento dócil dos meros facilitou a captura durante décadas no país, tornando-os uma das espécies de peixes mais ameaçadas da costa brasileira

Apesar do tamanho, seu comportamento dócil facilitou sua captura durante décadas no país, tornando-a uma das espécies de peixes mais ameaçadas da costa brasileira

 

O Projeto Meros do Brasil mantém uma parceria estratégica com o Aquário para salvaguardar o habitat da espécie e promover sua reprodução. “Almejamos estabelecer uma colaboração com o Instituto Butantan com o objetivo de elevar o nível e abrangência da pesquisa científica a um novo patamar, propiciando investigações mais aprofundadas e assegurando contribuições mais ágeis e eficazes para a sociedade”, afirmou o pesquisador científico e coordenador do Projeto Meros São Paulo, Eduardo Sanches. 

Tecnologias inovadoras

No Butantan, o Centro Bioanalítico do LEEv, que servirá de base para as análises bioquímicas, inclui um espaço composto por equipamentos de espectometria de massas de última geração adquiridos com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

“Aplicaremos abordagens biotecnológicas e moleculares avançadas para compreender, por exemplo, como poluentes ambientais, a qualidade da água e fatores externos influenciam a mudança de sexo e o desenvolvimento dos meros”, explicou o pesquisador científico do LEEv Daniel Pimenta.

 

O diretor do LEEv, Paulo Nico; o dono e criador do Aquário de São Paulo, Anael Fahel; o pesquisador científico do LEEv Daniel Pimenta; a responsável técnica do LEEv, Cristiane Pizzutto; a diretora do CDC, Sandra Coccuzzo, e o presidente do Instituto Meros do Brasil, Matheus Freita

O diretor do LEEv, Paulo Nico; o dono e criador do Aquário de São Paulo, Anael Fahel; o pesquisador científico do LEEv Daniel Pimenta; a responsável técnica do LEEv, Cristiane Pizzutto; a diretora do CDC, Sandra Coccuzzo, e o presidente do Instituto Meros do Brasil, Matheus Freita

 

Outro ponto em comum entre as pesquisas do Butantan e a conservação dos meros é que um dos raros sítios naturais de desova do peixe no Brasil é Ilha da Queimada Grande, localizado no litoral sul de São Paulo. O território protegido é base das pesquisas do Instituto com a também ameaçada jararaca-ilhoa (Bothops insularis), endêmica da ilha.

O diretor do LEEv, Paulo Nico Monteiro, reforçou a importância estratégica dessa união de esforços. “Inicialmente, o foco será direcionado ao estabelecimento de uma agenda comum de pesquisa, que inclui expedições conjuntas à Queimada Grande, utilizando nossa expertise de pesquisa em áreas como reprodução e análises bioquímicas sofisticadas, para aprofundar o conhecimento sobre os meros e para estabelecer rigorosos protocolos de pesquisa. Além disso, coloca o LEEv em contato com uma rede de projetos voltados à conservação de espécies ameaçadas no Brasil”, ressaltou.

Para Sandra Coccuzzo, a nova parceria reforça o compromisso do Butantan com a vida e com a conservação das espécies. “É imperativo aplicar o rigor científico e tecnológico, visando à proteção e preservação. Em colaboração, almejamos realizar um trabalho de profunda relevância e impacto”, concluiu.

 

A Ilha da Queimada Grande é que um dos raros sítios naturais de desova do mero no Brasil
A Ilha da Queimada Grande é que um dos raros sítios naturais de desova do mero no Brasil