Reportagem: Aline Tavares
Fotos: Marília Ruberti
Quem é fã de histórias de investigação criminal já deve ter ouvido falar em análise de DNA, necrópsias ou exames toxicológicos. Mas no universo do true crime, existem pequenos protagonistas pouco mencionados e de extrema importância para solucionar crimes: os insetos.
Na entomologia, ciência que estuda os insetos, há uma área dedicada exclusivamente à pesquisa das espécies que se alimentam de cadáveres, conhecida como entomologia forense médico-legal. Desse grupo fazem parte as moscas (Ordem Diptera) e os besouros (Ordem Coleoptera), que são mais comumente encontrados nos corpos em estado de decomposição. Mas formigas (Ordem Hymenoptera) e baratas (Ordem Blattaria) também podem aparecer, especialmente em ambientes urbanos.
No contexto investigativo, os insetos cadavéricos podem ajudar a determinar desde o intervalo de morte até se o corpo foi movido ou se houve consumo de substâncias ilícitas. Para isso, os especialistas observam o estágio evolutivo das larvas; se são espécies urbanas, rurais ou aquáticas; ou examinam seu conteúdo estomacal, por exemplo, em busca de evidências de substâncias que possam ajudar a esclarecer a causa do óbito. Também é possível extrair DNA humano do trato digestivo das larvas, a fim de identificar a vítima ou o suspeito.

Larvas de besouro do gênero Dermestes (conservação em via úmida)
“Após a morte, o corpo libera fluidos que atraem os insetos em poucas horas. A colonização começa por orifícios, como a região dos olhos, ouvidos e boca, ou regiões lesionadas, onde os insetos adultos depositam seus ovos, para que as larvas possam crescer e se alimentar”, explica a bióloga Beatriz dos Reis, que estuda entomologia forense e acaba de concluir a Especialização em Animais de Interesse em Saúde no Laboratório de Coleções Zoológicas do Instituto Butantan.
Segundo Beatriz, o conhecimento dos insetos de importância forense é útil até em casos em que o corpo encontrado já está em estágio avançado de decomposição, quando não é possível fazer análises conclusivas somente observando o organismo.
“Apenas observar as características do corpo nem sempre traz resultados precisos, já que o tempo de decomposição também varia de acordo com a temperatura e umidade do local ou com os hábitos que a pessoa teve em vida, como consumo de álcool ou de certos medicamentos”, completa a bióloga.

Gêneros Hermetia (larva de mosca), Dermestes (larva de besouro) e Dermestes (besouro adulto) conservados em via úmida
Uma das principais aplicações da entomologia forense é a determinação do intervalo de morte. Dependendo do estágio evolutivo das larvas encontradas no corpo, é possível estimar há quantas horas ocorreu o óbito. Esse foi um fator determinante, por exemplo, durante a investigação da morte de Juliana Marins, brasileira de 26 anos que se acidentou na trilha no Monte Rinjani, na Indonésia, em junho deste ano. “A análise conduzida por legistas e peritos do Rio de Janeiro mostrou que Juliana sobreviveu por até 32 horas após a queda”, lembra Beatriz dos Reis.
Durante sua especialização no Instituto Butantan, a bióloga conduziu um projeto de pesquisa pioneiro no estado de São Paulo, em parceria com o Núcleo de Antropologia Forense do Instituto Médico Legal (IML) Central do estado. Ela fez um levantamento dos insetos encontrados em cadáveres humanos em estágio avançado de decomposição – a maioria das pesquisas coleta os artrópodes em carcaças de animais.
“Foi possível coletar espécies diversas provenientes de quatro municípios do estado de São Paulo, que foram identificadas e organizadas conforme o estágio de vida. Ao todo, foram coletados 349 exemplares”, conta Beatriz.
O trabalho rendeu à Coleção Entomológica do Butantan os primeiros exemplares de insetos de importância forense. Ter esses animais catalogados em coleções zoológicas é fundamental para ampliar o conhecimento na área e auxiliar os peritos na correta identificação das espécies e dos seus estágios de desenvolvimento.

Exemplares adultos de moscas das famílias Sarcophagidae e Calliphoridae (via seca)
Embora os primeiros trabalhos publicados sobre entomologia forense datem do final do século XIX, a área só começou a tomar forma no começo dos anos 2000 – e ainda há muitas lacunas a serem preenchidas.
Para a bióloga e técnica do laboratório de Coleções Zoológicas – Coleção Entomológica do Butantan, Natália Khatourian, existe um tabu que deve ser superado para fomentar essas pesquisas. “As pessoas não imaginam que uma mosca pode ajudar a descobrir a causa de uma morte. Os insetos formam o maior grupo de animais que conhecemos, e ainda há muitas espécies a se descobrir e estudar. Tudo tem um porquê, tudo tem uma função e uma importância na natureza. A entomologia forense é uma ciência e precisa de incentivo”, afirma.
O tema, apesar de visto como “mórbido” por algumas pessoas, é tratado com naturalidade por Beatriz, que cresceu em contato direto com a natureza por incentivo do avô e guarda uma coleção de ossos de pequenos animais desde a infância. “Esses insetos fazem a ciclagem do meio ambiente. É uma matéria que está se renovando, e que vai alimentar outra vida e voltar ao ponto de origem. Isso, para mim, é incrível. É o movimento da vida.”

Várias pupas (vazias) de mosca do gênero Chrysomya



